TÉCNICAS DE SOLTURA: EXISTE UMA FÓRMULA PERFEITA?
O papel dos CETAS
O trabalho realizado no Centro de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) tem como objetivo final a destinação adequada de todos os animais silvestres recebidos. Nas condições ideais, tais animais são reintroduzidos na natureza por meio de processos denominados solturas.
Existem diversas técnicas de soltura, as duas principais denominadas “hard-release", ou soltura difícil, e “soft-release", ou soltura branda. A primeira consiste na soltura direta do animal na natureza, enquanto a última envolve mecanismos de aclimatação. No caso de aves, por exemplo, a soltura branda pode ser realizada em um viveiro com alçapão, por onde os animais estarão livres para sair e terão sempre um ponto de apoio com comida e proteção, caso sintam necessidade de retornar.
Afinal, o que é uma soltura bem sucedida?
O sucesso de uma soltura é bastante difícil de ser medido, uma vez que é preciso analisar se os indivíduos soltos foram ou não capazes de estabelecer uma população estável, o que pode durar meses ou até anos. Isso demanda um monitoramento constante e árduo, por isso, muitos artigos não mostram resultados finais absolutos após a soltura.
Contudo, trabalhando com artigos que mostram os resultados, viu-se que uma soltura bem sucedida, ou seja, aquela em que um indivíduo, ou um grupo de indivíduos, consegue estabelecer uma população estável ao longo do tempo, depende de uma série de variáveis, que abrangem desde a especificidade e quantidade de indivíduos até o tipo e a maneira pela qual a soltura é realizada. Por exemplo, foi visto que animais soltos em bandos com pelo menos 100 indivíduos possuíam uma chance maior de estabelecimento, contudo, com o aumento desse número, outros fatores negativos, como predadores e tamanho do habitat, se sobrepunham e geravam o decaimento da chance de sucesso na soltura.
Por isso, quando o assunto é soltura, muitos parâmetros devem ser levados em conta, e não somente o tipo de técnica a ser utilizada. Dentre os questionamentos a serem feitos para analisar uma soltura, devem estar: a área de soltura em questão é capaz de receber os animais que serão soltos? O tamanho é adequado? Quais os predadores ali presentes e como anda a distribuição populacional deles? O animal é solitário ou adere a bandos? Qual a origem do animal? Ele está bem adaptado às condições naturais?
Qual técnica de soltura é mais adequada?
Ao pensarmos racionalmente em uma hipótese, concordaríamos que o “soft release" seria o método mais adequado, certo? Pois a soltura direta não oferece um ponto de apoio aos animais e, portanto, deixa-os mais expostos a riscos. Principalmente para espécies de cativeiro, a soltura branda deveria ser obrigatória, pois, por ser um método gradual de introdução na natureza, teoricamente, reduz os riscos para estes animais, que não estão acostumados com predadores, doenças e outros fatores que se encontram na natureza e que não foram vivenciados por eles em cativeiro. Contudo, caso a origem do animal fosse de vida livre e ele estivesse bem adaptado às condições de vida na natureza, o método de soltura difícil não se tornaria um empecilho.
Agora, com base na análise de artigos, observa-se que, de fato, o método de soltura branda obteve melhores resultados, se comparado ao de “hard release", principalmente em animais cuja origem era o cativeiro. Contudo, será que apenas a técnica de “soft release" garante uma alta taxa de sobrevivência dos animais de cativeiro?
Os animais de cativeiro possuem comportamento alterado e altamente diferenciado daquele observado em vida livre. Isso ocorre, pois em cativeiro a obtenção de alimentos é diferente, o ambiente é limitado e não há predadores e doenças comumente encontrados na natureza. Por isso, mesmo que sejam soltos gradualmente pelo método de soltura branda, ainda há uma alta chance de insucesso. Tal chance pode ser minimizada através de métodos de enriquecimento ambiental, ambientação e treinamento, o que também é papel dos CETAS.
A ambientação de recintos ajuda o animal a acostumar com seu ambiente endêmico, bem como os projetos de enriquecimento ambiental, os quais propõem à espécie desafios que podem ser encontrados na natureza, como meios mais difíceis de obter alimento. Por fim, o treinamento pode ser útil, por exemplo, para aves que tem uma estrutura corporal pronta para o vôo, mas precisam de um corredor de vôo para fortalecer a musculatura e se adaptar ao movimento. Tudo isso colabora para que as chances de sucesso na soltura aumentem consideravelmente.
Resultados obtidos em artigos
Podemos concluir que, embora o compilado de artigos mostre uma maior eficiência na técnica de “soft release”, é preciso avaliar a especificidade de cada animal e os fatores que circundam a prevalência da espécie na área de soltura. É importante saber que, mesmo que a soltura branda seja a mais indicada, ela pode não ser eficaz em determinados casos e, inclusive, apresentar resultados inferiores aos obtidos com soltura difícil. Por isso, antes de qualquer soltura, todas as variáveis por trás do procedimento devem ser bem analisadas para garantir uma maior chance de prevalência dos animais reintroduzidos.
O artigo “Survival of Translocated Heermann’s Kangaroo Rats (Dipodomys heermanni) in the San Joaquin Desert of California Using Hard and Soft Release Methods” mostra exatamente esta quebra de paradigma: ao realizarem a soltura dos mamíferos da espécie Dipodomys heermanni por meio das duas técnicas, foi visto que a soltura do tipo difícil obteve melhores resultados (embora a diferença tenha sido pouco significativa), ao contrário do que os próprios autores esperavam. Segundo a hipótese apresentada por eles, a soltura do tipo difícil foi bem sucedida devido à grande disponibilidade de tocas na área escolhida, o que deu suporte para que os animais se abrigassem mais facilmente.
Outros trabalhos, como os de Bright e Morris (1994) mostraram que a soltura branda do roedor Muscardinus avellanarius de cativeiro era essencial para garantir sua sobrevivência, pois sua alimentação restrita dificultaria o processo de adaptação ao ambiente natural. Já outras espécies, principalmente as com mais facilidade de adaptação, dispensam o processo de aclimatação presente na soltura branda, como ocorre com espécies de Canguru-Cinzento. Espécies como os Ratos-Cangurus Bettongia penicillata, fogem ainda mais à “regra”, pois, mesmo vindos de cativeiro, se adaptam bem ao método de “hard release”, como foi relatado por Delroy et al. (1986).
Então… existe ou não uma fórmula perfeita?
Não! Não existe tipo de soltura ideal. Cada procedimento tem sua especificidade e o ato de soltar um animal silvestre demanda muito estudo e dedicação. Não é tão simples quanto parece! É para isso, dentre tantas outras coisas, que o CETAS da sua região trabalha. Por isso, não execute uma soltura por si só! Sempre encaminhe o animal silvestre encontrado ao Centro de Triagem mais próximo, para garantir a ele melhores chances de sobrevivência e readaptação ao ambiente silvestre!
Autora: Lis Marques
Bibliografia
CAMPBELL, Lynette. Comparison of hard and soft release of hand-reared Eastern Grey Kangaroos. School of Biological Science, University of New South Wales, UNSW Sydney, NSW 2052. 2001. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/235973698_Comparison_of_hard_and_soft_release_of_hand-reared_eastern_grey_kangaroos>
RESENDE, Paloma. Quão eficientes são os programas de soltura de animais na biologia da conservação? Uma revisão sistemática e meta-analítica. Departamento de Ciências Naturais da Universidade Federal de São-João- del-Rei. 2018.
TENNANT, Erin & GERMANO, David. Survival of Translocated Heermann’s Kangaroo Rats (Dipodomys heermanni) in the San Joaquin Desert of California Using Hard and Soft Release Methods. Western Wildlife. Department of Biology, California State University, Bakersfield, California 93311, USA. 2017. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/7a6e/3dc805fa84e72cb98562ab8fa49955f3221d.pdffbclid=IwAR2n4lBm99fnbfRhtj7elsNietwUG7pWuXeSR7YqDkyTdux8vcRpDw0ig0A>

